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Judy: Muito Além do Arco-Íris

A cinebiografia de Judy Garland com Renée Zellweger finalmente chegou ao Brasil.

O filme foca no período que Judy se apresentou na Inglaterra em 1969. Desde de criança Judy trabalhava arduamente em Hollywood e fora estrela de alto escalão porém, na década de 60 ela já tinha deixado para trás os tempos de Dorothy de “O Mágico de Oz”(1939) e de Esther Blodgett de “Nasce uma estrela” (1954). Marilyn Monroe e John Kennedy estavam mortos há anos, os EUA viviam a intensificação da Guerra no Vietnã e os Beatles eram “O” sucesso do momento. Já não havia muito espaço para a Era de Ouro de Hollywood.

Esse cenário fez com que Judy aceitasse se apresentar no Talk of the Town em Londres, deixando sua vida nos Estados Unidos em suspenso. Sua nova cinebiografia acontece nesse período atribulado de sua vida.

Para encarnar Judy nas telas, Renée Zellweger foi escalada e todos os fãs de Old Hollywood entraram em modo apreensivo. Eu inclusive, maaaas a curiosidade não passou até que vi por conta própria.

Além de todas as adequações necessárias para a criação de um figurino, a diferença física das atrizes era significativa. Louis B Mayer, chefe da MGM gostava de chamar Judy de ” sua corcundinha”. Como Renée não se parece fisicamente com a atriz, a figurinista Jany Temime teve que adaptar peças para traduzir ao público a fragilidade física de Judy no período. 6 meses depois dessa temporada em Londres a atriz morreria de overdose.

Antes desse trabalho, Jany foi responsável pelo figurino de 6 das 8 adaptações cinematográficas de Harry Potter, e já tinha trabalhado com Renné em “Bridget Jones, no limite da razão”. Essa intimidade prévia facilitou a transformação de Renné na icônica cantora.

Além de lidar com direitos autorais, como no traje de Dorothy , Jany teve que encontrar o tom correto entre roupas de época que ainda agradassem o olhar dos espectadores atuais. Para criar o figurino foram usadas referências do guarda-roupa original de Judy, combinado com desenvolvimento da narrativa para fazer as escolhas da paleta de cores e das modelagens.

Por exemplo, o vestido florido com papoulas usado por Judy. Criado por Ray Aghayan, o vestido longo, afunilado nos tornozelos valorizava suas longas pernas e um funnel collar (gola funil) que alongava seu pescoço era repetido várias vezes por Judy.

Em entrevista para a Variety, Jany afirmou que gostaria de começar o filme com uma imagem forte, com cor, Judy com sua armadura que ao longo do filme vão, simbolicamente, desaparecendo.

É nessa época também que Judy casa-se com Mickey Deans, seu 5º marido, 12 anos mais novo e embarca no estilo mod ao escolher um vestido de noiva azul e mini,(por que era o auge da minissaia para as jovens), com muitas plumas, sapato e chapéu pillbox combinando.

Jany em sua versão manteve o choque visual que ele causa. O vestido grita para quem está assistindo que tem algo estranho ali. Seria a mesma pessoa que usava terno brocado que usaria um mini com plumas?

O fato é que a própria Judy desenhou seu vestido. Ela própria afirmou para os repórteres, na data do casamento que pela primeira vez na vida, estava realmente feliz. Aparentemente, Judy foi enterrada com o vestido de noiva.

Seu LBD final é uma coisinha de nada, discreto para sua magnitude, pequeno demais para tudo que vimos anteriormente. Judy está ali como la mesma, com a performance na alma, tomando conta de sua ações porque é o que ela sabe ser e que no fim também a engoliu.

A versão de Garland criada por Jany chega muito perto de construir psicologicamente o estado mental da cantora no período. Coerente quase necessária, e incoerente também.

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Resenha: Mancebos e Mocinhas

As roupas que usamos são códigos que usamos para nos comunicar com outros que entendem os mesmos códigos. Para entendermos como a sociedade de outra época funcionava precisamos entender seus próprios códigos, quase aprender um novo vocabulário.

É isso que o livro de Mariana traz para o leitor. Confesso que comprei há tempos e não sei porque ele ficou tanto tempo parado na estante quando junta 2 assuntos favoritos: história da moda e literatura.

O livro fala dos textos do Romantismo de autores nacionais como Joaquim Manuel Macedo e José de Alencar. No século XIX, o Brasil era recém independente e ansioso com o que essa tal liberdade representava. A burguesia ansiava por vida social e eventos nos quais pudessem aparecer. Paris era a grande influência de moda e a vida do país acontecia no Rio de janeiro, cidade sede do Imperador Dom Pedro II. (na Inglaterra acontecia o período vitoriano, reinado da Rainha Vitória de 1937 – 1901)

É interessante notar que, nos textos analisados, ao descrever um personagem é possível introduzi-lo pelo vestuário e automaticamente, entendemos quem ele é. Essa facilidade porém, perdeu-se para nós leitores do século XX e XXI. Mariana nos ajuda a entender que o estilo em voga era o romântico e a moda valorizava a mulher feminina, cores delicadas, fitas, laços e todos os tipos de detalhe possíveis. Por outro lado, a indumentária masculina fazia o caminho inverso, abandonando os excessos e em direção para a sobriedade estética, para o uso de cores escuras como padrão.

Como o Brasil estava afastado de todos os países ditadores de moda utilizar a literatura nacional é fonte sem fim de informações de como as referências do exterior eram interpretadas aqui.

Por exemplo, o romance foi lançado em 1844 e a moda pelo mundo ocidental era mais ou menos assim.

Vestido americano de 1844 Fonte: Met museum https://www.metmuseum.org/art/collection/search/82161

O interessante das obras românticas foi entrar na vida interna familiar, nas aspirações sociais do período. Nas obras, as roupas ganham vida ao ser trajadas por pessoas que tem aspirações, sonhos, que viveram usando tais vestidos e casacas .

Ao final do livro fica claro para o leitor a importância dos códigos sociais que usam a roupa como suporte de nossas convenções ao possuírem símbolos tão fortes e por isso, como Manuel Macedo conseguiu criar cenários sociais quase impossíveis de adentrarmos sozinhos e usou a indumentária para definir sua personagens que tinham poder tão delimitado pela sociedade patriarcal que as rondava.

O livro é ótimo para ajudar na hora de conectar as ideias , perceber na leitura cronológica o fluxo das mudanças nos estilos e traçar identidades para as roupas que ver em fashion plates.